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Howard Jacobson. O judeu que tem medo de sinagogas |
Ganhou o Man Booker Prize e é conhecido como o Philip Roth inglês, mas diz-nos que preferia ser a "Jane Austen judaica"
Aconteceu uma coisa engraçada quando Howard Jacobson venceu o Man Booker no passado dia 12 de Outubro. Em vez da reacção tradicional do público - euforia por parte do séquito do vencedor, aplausos anémicos correspondidos com inveja e amargura por parte de todos os outros - o anúncio foi recebido com aplausos sonoros e prolongados. Uma mão cheia de pessoas que nem sequer tinham qualquer relação com Jacobson levantaram-se e aplaudiram.
"Acho que é por ser alguém que já aqui anda há muito tempo", diz Jacobson. "Houve também o sentimento de ''graças a Deus, ganhou um velho", ironiza o escritor de 68 anos.
O livro vencedor, "The Finkler Question" (ainda não traduzido para português), é o 11.o romance de Jacobson. É uma escolha invulgar para Booker por mergulhar na experiência judaica britânica, algo que poucos romances britânicos contemporâneos fizeram, e por que é, pelo menos à superfície, tão exuberantemente cómico. Conta a história de três amigos, dois judeus e um, Julian Treslove, que o deseja ser. Quando Treslove é atacado por um gatuno que resmunga qualquer coisa como "És o Julian", ou possivelmente "És judeu!", a experiência envia-o numa longa exploração da natureza do judaísmo cultural, social e político. Debate-se com questões como: "O que faz de alguém judeu?" É anti-semítico fazer generalizações sobre o que faz de alguém judeu? Porque motivo os judeus britânicos são mais abertos e cordiais do que os não-judeus britânicos?
Alguns leitores perceberam mal as personagens. "As pessoas acham que são caricaturas de judeus que desaprovam Israel", diz Jacobson, sentado no seu apartamento do SoHo, com a nova estatueta do Man Booker atrás dele. "Mas não são. São caricaturas de judeus que exibem a sua desaprovação de Israel."
Senhor Júri Andrew Motion, presidente do júri do Booker, considera que a subtileza da escrita de Jacobson, a forma como mistura comédia e tragédia não era, talvez, suficientemente apreciada. "Há um particular prazer em ver alguém que é assim tão bom receber finalmente o que merece", afirma, acrescentando que "The Finkler Question" é "muito inteligente e muito engraçado", como é, geralmente, o trabalho de Jacobson. "Mas também é, de uma forma bastante interessante, um livro muito triste e melancólico. É cómico, é alegre - mas é uma alegria negra."
O autor gostou sobretudo da incerteza que o acompanhou ao longo da obra: "Assim que aceitamos que existe um vaivém constante de compreensão e falta de compreensão, tudo é possível. É essa a maravilha do romance. O romance é a grande forma em que todas essas possibilidades fluem e desaguam ao mesmo tempo. Nada é definitivo, nada está acabado, nada está determinado."
Jacobson cresceu em Manchester, com um pai que trabalhava como animador de crianças e tinha uma banca de venda de bugigangas. Inteligente, estudioso e intelectualmente ambicioso, estudou Literatura Inglesa em Cambridge com o lendário F.R. Leavis. "Sou um inglês literário à antiga", diz. "Até à medula - ele é George Eliot, Dickens, Dr. Johnson ou Jane Austen." No início, diz, tentou emular os seus heróis.
"Queria escrever as frases mais obscuras algumas vez vistas e queria escrever sobre a experiência da casa de campo inglesa", explica. "Consegue ver o problema. Não fui muito longe."
As lutas académicas na universidade onde começou a trabalhar como professor conduziram-no ao seu primeiro romance, "Coming From Behind" (1983), uma farsa universitária com um herói judeu. "Foi então que descobri que gostava de escrever sobre judeus", confessa. "Toda a minha família ficou espantada." Imita a resposta deles: "Tu não te interessas por judeus!"
"Fui educado como judeu mas naquela maneira de ser judeu - a maneira de Nova Iorque", prossegue Jacobson. "Éramos judeus de estômago, éramos judeus de anedotas de judeus, éramos judeus de bagel. Não íamos à sinagoga. Ainda hoje tenho medo de sinagogas."
Poucos romancistas contemporâneos escreveram sobre a experiência dos judeus na Grã-Bretanha. Por causa da sua posição rara na paisagem literária, Jacobson tem sido apelidado de "Philip Roth inglês", mas ele preferia que o chamassem de "Jane Austen judaica".
"Sou um escritor inglês que por acaso sabe alguma coisa sobre judeus e que gostaria de escrever como Jane Austen, com um pouco de iídiche", revela.
Resiste também a ser definido como um escritor puramente humorístico e, de facto, "The Finkler Question" acaba num tom que nada tem de humorístico.
"Para mim, ser um escritor cómico é, obviamente, ser também sério", diz Jacobson. "Mas quando ouço as pessoas chamarem-me de romancista cómico, só me apetece gritar, porque eles querem dizer uma coisa diferente. Posso chamar-me de romancista cómico, no entanto, porque sei o que quero dizer quando o digo."
"Acho que é por ser alguém que já aqui anda há muito tempo", diz Jacobson. "Houve também o sentimento de ''graças a Deus, ganhou um velho", ironiza o escritor de 68 anos.
O livro vencedor, "The Finkler Question" (ainda não traduzido para português), é o 11.o romance de Jacobson. É uma escolha invulgar para Booker por mergulhar na experiência judaica britânica, algo que poucos romances britânicos contemporâneos fizeram, e por que é, pelo menos à superfície, tão exuberantemente cómico. Conta a história de três amigos, dois judeus e um, Julian Treslove, que o deseja ser. Quando Treslove é atacado por um gatuno que resmunga qualquer coisa como "És o Julian", ou possivelmente "És judeu!", a experiência envia-o numa longa exploração da natureza do judaísmo cultural, social e político. Debate-se com questões como: "O que faz de alguém judeu?" É anti-semítico fazer generalizações sobre o que faz de alguém judeu? Porque motivo os judeus britânicos são mais abertos e cordiais do que os não-judeus britânicos?
Alguns leitores perceberam mal as personagens. "As pessoas acham que são caricaturas de judeus que desaprovam Israel", diz Jacobson, sentado no seu apartamento do SoHo, com a nova estatueta do Man Booker atrás dele. "Mas não são. São caricaturas de judeus que exibem a sua desaprovação de Israel."
Senhor Júri Andrew Motion, presidente do júri do Booker, considera que a subtileza da escrita de Jacobson, a forma como mistura comédia e tragédia não era, talvez, suficientemente apreciada. "Há um particular prazer em ver alguém que é assim tão bom receber finalmente o que merece", afirma, acrescentando que "The Finkler Question" é "muito inteligente e muito engraçado", como é, geralmente, o trabalho de Jacobson. "Mas também é, de uma forma bastante interessante, um livro muito triste e melancólico. É cómico, é alegre - mas é uma alegria negra."
O autor gostou sobretudo da incerteza que o acompanhou ao longo da obra: "Assim que aceitamos que existe um vaivém constante de compreensão e falta de compreensão, tudo é possível. É essa a maravilha do romance. O romance é a grande forma em que todas essas possibilidades fluem e desaguam ao mesmo tempo. Nada é definitivo, nada está acabado, nada está determinado."
Jacobson cresceu em Manchester, com um pai que trabalhava como animador de crianças e tinha uma banca de venda de bugigangas. Inteligente, estudioso e intelectualmente ambicioso, estudou Literatura Inglesa em Cambridge com o lendário F.R. Leavis. "Sou um inglês literário à antiga", diz. "Até à medula - ele é George Eliot, Dickens, Dr. Johnson ou Jane Austen." No início, diz, tentou emular os seus heróis.
"Queria escrever as frases mais obscuras algumas vez vistas e queria escrever sobre a experiência da casa de campo inglesa", explica. "Consegue ver o problema. Não fui muito longe."
As lutas académicas na universidade onde começou a trabalhar como professor conduziram-no ao seu primeiro romance, "Coming From Behind" (1983), uma farsa universitária com um herói judeu. "Foi então que descobri que gostava de escrever sobre judeus", confessa. "Toda a minha família ficou espantada." Imita a resposta deles: "Tu não te interessas por judeus!"
"Fui educado como judeu mas naquela maneira de ser judeu - a maneira de Nova Iorque", prossegue Jacobson. "Éramos judeus de estômago, éramos judeus de anedotas de judeus, éramos judeus de bagel. Não íamos à sinagoga. Ainda hoje tenho medo de sinagogas."
Poucos romancistas contemporâneos escreveram sobre a experiência dos judeus na Grã-Bretanha. Por causa da sua posição rara na paisagem literária, Jacobson tem sido apelidado de "Philip Roth inglês", mas ele preferia que o chamassem de "Jane Austen judaica".
"Sou um escritor inglês que por acaso sabe alguma coisa sobre judeus e que gostaria de escrever como Jane Austen, com um pouco de iídiche", revela.
Resiste também a ser definido como um escritor puramente humorístico e, de facto, "The Finkler Question" acaba num tom que nada tem de humorístico.
"Para mim, ser um escritor cómico é, obviamente, ser também sério", diz Jacobson. "Mas quando ouço as pessoas chamarem-me de romancista cómico, só me apetece gritar, porque eles querem dizer uma coisa diferente. Posso chamar-me de romancista cómico, no entanto, porque sei o que quero dizer quando o digo."
Fonte: Jornal i
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