Aproveito a entrevista de um dos filhos da Academia do Olimpo, a Academia Sportinguista evidentemente, para apresentar a minha nova rubrica que ciclicamente servirá para apresentar um jogador saído da melhor escola de talentos futebolísticos mundial, a Escola Sportinguista. Hoje aproveito a entrevista do jornal i para apresentar Luís Boa-Morte, ex-atleta Sportinguista que actualmente joga no West Ham.
"Já trabalhei num supermercado e fui ajudante de electricista"
O i entrevista o primeiro estrangeiro contratado por Wenger, treinador do Arsenal que hoje joga em Barcelona com um inglês (Wilshere) e dez imigrantes
O Carnaval significa boa disposição. Que combina com Boa Morte, a primeira contratação estrangeira de Wenger, que treina o Arsenal, a equipa mais jovem da Liga dos Campeões: 22,4 anos. Hoje, é Carnaval e joga o Arsenal em Barcelona. É diversão sem parar. Por falar nisso, o i entrevistou Boa Morte.
Boa Morte, boa tarde. Daqui Rui Miguel Tovar do i.
Do i? [puxa pela cabeça] Do i, siiiim! [entusiasmo] Boa, boa. Diz.
Ligo-lhe a propósito do Barcelona-Arsenal da Liga dos Campeões.
Grande jogo. Vou estar atento, embora esteja aqui no Algarve em estágio com o West Ham. Vai ser treinar, jantar e arranjar um lugar à frente da televisão.
Também viu o jogo da primeira mão pela televisão?
Sim. O Arsenal foi feliz no 2-1.
Nos tempos que correm, um Barça-Arsenal mais parece um Torneio Toulon...
[risos] Muita juventude, não é?
Pois, é a formação do Barcelona com a formação do Arsène Wenger.
São duas escolas fantásticas. Conheço bem a do Wenger.
Exacto, foi contratado por ele em 1997, depois de um Torneio Toulon, não foi?
Sim, em 1997. Na altura, jogava no Lourinhanense, espécie de equipa B do Sporting. Estávamos na 3.a divisão e fomos os campeões da série D [com 11 pontos de avanço sobre o Estrela de Portalegre]. Devo muito ao seleccionador nacional Jesualdo Ferreira, que confiou na minha capacidade e na de outros jogadores do Lourinhanense [como Caneira, Patacas e Nuno Assis], chamou-nos à selecção e tive a felicidade de ser observado por responsáveis do Arsenal nesse Torneio de Toulon. Eles entenderam-se com o Sporting e assinei por eles. Por isso, não completei a época no Lourinhanense, que, apesar de acabar em primeiro lugar a série D, teve de disputar um play-off de apuramento de campeão da 3.a divisão. Nessa parte eu já não participei.
Já estava em Londres?
Sim, sim. Cheguei lá e fui apresentado a 3 de Junho.
Com o Wenger?
Não, o Wenger faltou porque um amigo dele tinha falecido. Mas ele ligou-me nesse dia a encorajar-me e trocámos umas palavras. Só o conheci mais tarde.
E? A ideia geral é a de que Wenger é arrogante, blasé...
Não, não, não vá por aí. O Wenger é impecável. E sabe falar com os jogadores, no balneário. Está sempre na sua onda, é isso. Quando ganhámos campeonato e Taça de Inglaterra, logo na minha época de estreia, em 1997/98, ele lá estava na festa, mas sempre na sua, sem grandes euforias. É assim, o Wenger. Repare, o Kolo [Touré, capitão do Manchester City e ex-Arsenal] deu positivo num controlo antidoping na semana passada. Sabe quem foi o primeiro a telefonar ao Kolo? O Wenger. Na época passada, eu lesionei-me gravemente e só fiz um jogo de Agosto a Maio. Sabe quem me ligou regularmente para falar comigo e me animar? O Wenger. É um homem que sabe o que quer, que tira o melhor dos jogadores à base da conversa.
O futebol foi sempre o seu sonho?
Sim, desde sempre.
E como é que lhe apareceu?
Aos dez anos fiz uma época no Arrentela, que era o clube mais perto de casa. Aos 11, fui para o Sporting, onde fiquei dois anos antes de ser emprestado ao Cova da Piedade, devido àquelas políticas em relação à estrutura física. Três anos depois, regressei ao Sporting, porque jogámos com eles e, apesar de termos perdido, o jogo correu-me tão bem que fui abordado para regressar.
Só jogava à bola?
Nããã. Também trabalhava. O meu primeiro emprego foi na Costa da Caparica, no supermercado do parque de campismo. Depois trabalhei com motores de frigorífico e fogões, em Alcântara. E ainda fui ajudante de electricista com o meu irmão.
Sabe que o Boa Morte é o segundo português no estrangeiro com mais jogos?
A sério? Há dias, estava na casa da minha mãe, onde tenho as camisolas que troco nos jogos, e vi uma do Zola, que me treinou no West Ham, e outra do Steve Clarke, adjunto do Mourinho entre 2004 e 2007. Porque o meu primeiro ano em Inglaterra foi o último do Steve Clarke. Quando penso nisso, percebo que já estou cá há uns aninhos. Agora, não tinha noção dessa estatística. Quantos jogos?
Entre Arsenal, Southampton, Fulham e West Ham, 510.
Eh lá. Bom, bom... E quem vai à frente?
É o Figo.
Quantos?
Mais de 700.
Tchiiii. Ora bem, eu tenho 510 [e começa a pensar alto] 600, 700. Ainda falta [risos], mas calma, não me tirem esse sonho de chegar à frente [mais risos].
Tem algum jogo dos 510 na memória?
Um Fulham-Chelsea, em 2005, no Boxing Day. Fizemos o 1-0 de penálti, eles empataram e deram a volta, empatámos 2-2 e antes do 3-2 deles houve um penálti claro a nosso favor que o árbitro não assinalou. Perto do fim, num lançamento lateral perto do banco do Chelsea, o Mourinho deu-me a bola. Eu disse-lhe: ''Já estamos a jogar contra 14. Também queres entrar para ser 15 contra 11''. E ele respondeu: ''Já levas um penálti. Querias outro, não?'' Engraçado, o Zé.
De 1997 a 2011, sempre em Inglaterra. Muitos amigos no futebol?
Muitos e bons.
Quem, por exemplo?
Goma, Diop, Saha, Zat Knight, Colin Jones, Van der Sar.
O Van der Sar?
Esse mesmo, o Van der Sar. Fomos companheiros no Fulham.
E mais amigos?
Falo bem com o Anelka, mantenho contacto com Vieira, Henry, Overmars, Adams, Campbell. Muitos outros.
E o seu clone?
Quem? O Ian Wright?
Esse mesmo?
Ainda hoje, quando nos encontramos numa festa em casa de alguém, todos gozam connosco. Ele só quer palhaçada mas nunca me tinha apercebido da idade dele. Quando cheguei ao Arsenal, ele já tinha 31 anos. Agora, com essa idade, já não podia jogar este Arsenal-Barça [gargalhadas].