Santiago Segurola é um jornalista espanhol, nascido em Viscaya, 1957, é um importante jornalista no panorama ibérico tanto a nível desportivo como de interesse geral. Trabalhou no "El País" e actualmente na "Marca". Tem uma crónica no Diário de Notícias que merece ser divulgada. Este espanhol que me habituei a ler com admiração é admirador do Athletic de Bilbao, o clube da sua terra. Depois da retumbante vitória do Real Madrid este fim de semana (6-1 ao Deportivo da Corunha, com dois golos de Cristiano Ronaldo) atente-se à crónica de Segurola do passado dia 28 de setembro de 2010:
Um bom amigo madridista disse-me que teme os jogos da sua equipa, porque o melhor acontece na terceira parte: nas conferências de imprensa de Mourinho. Os adeptos aborrecem-se no Bernabéu, mas ouvem o treinador na rádio. Mourinho é o homem que melhor compreende o valor dos meios de comunicação para difundir as mensagens que lhe interessam. A última refere-se ao escasso rendimento nos remates. O Real Madrid disparou 105 vezes e só marcou seis golos em cinco jogos. É a sua maneira de justificar o decepcionante início de temporada da equipa. A insistência de Mourinho em assinalar as ocasiões de golo tem um questionável valor estatístico. A equipa remata muito, mas nem sempre nas melhores condições. Abundam os remates precipitados, desnecessários ou tácticos. Sim, às vezes parece que o Madrid prefere acabar as jogadas com um mau remate, para se ordenar melhor no capítulo defensivo. São truques do futebol actual que não ligam bem com o jogo. Pelos vistos agradam a Mourinho, que tira partido disso. Um dos problemas que Mourinho poderá encontrar é o escasso apreço do Real Madrid pela estatística. Pelo menos esta época. Por cada dado estatístico, o Barça avança com um melhor. Pellegrini foi despedido depois de conseguir um número recorde de pontos (96) e 102 golos, a segunda cifra mais elevada da sua história. O problema é que o Barça teve 99 pontos e ganhou a Liga. Ainda que o famoso terceiro tempo de Mourinho seja muito noticioso - com um evidente e bastante infantil interesse em utilizar o jornalismo como receptor dos seus jogos mentais -, os adeptos preocupam-se com outra coisa: o que se vê no relvado. Nesta perspectiva é curiosa a diferença de discurso entre Mourinho e Guardiola, o técnico do Barça. O treinador português destaca as oportunidades de golo; Guardiola, o jogo em si. Não se pode discutir a categoria de Mourinho como treinador. O seu currículo impressionante é sinónimo da sua categoria, mas em Espanha começam a descobrir-se-lhe vertentes que nunca se viram em Inglaterra, ou em Itália. No Chelsea, ocupou-se de uma equipa sem maiores exigências que os caprichos do magnata Abramovich. Excepto algum episódio isolado, o Chelsea nunca foi considerado um grande do futebol inglês. Com Mourinho e as petrolibras do empresário russo, a equipa viveu os seus melhores dias.
A Itália sempre viu o prazer estético como uma debilidade no futebol, por contraditório que parece num país que adora a sua beleza. Lá só importa a rentabilidade estatística. A aventura no Inter ajustou-se a esse princípio básico. Agora a Mourinho não se explica porque se lhe exigem que o Madrid jogue bem. A razão é simples: em Espanha importa, e muito, o bom futebol. Esta realidade, tão absurda noutros países, foi a que produziu equipas como o Real Madrid da Quinta del Buitre, o Barça de Cruyff e o impressionante Barça de Guardiola. A decantação natural desta cultura futebolística é a selecção espanhola. Na véspera da meia-final do Campeonato do Mundo, frente à Alemanha, ainda se discutia sobre a conveniência de jogar com um ou dois pivôs no meio campo. Soa a extravagância, mas é assim o futebol espanhol. Mourinho tem as qualidades de um camaleão. Adapta-se a qualquer circunstância. Agora terá de o fazer face às singulares exigências do Madrid e de La Liga. O homem sente-se desconfortável, por isso convém-lhe não confrontar uma cultura futebolística tão definida, ou incorrerá em grave equívoco.
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