O indefensável
O futebol põe as pessoas a dizer coisas extraordinárias. Os mais inteligentes tornam-se básicos, os mais lúcidos mentecaptos, os mais equilibrados talibãs, os mais frontais cordeiros, os mais coerentes demagogos profissionais.
E um excelente exemplo foi buscá-lo recentemente Ricardo Araújo Pereira: Miguel Sousa Tavares e Rui Moreira ficaram danados com as escutas a José Sócrates no caso Face Oculta.
Com razão. As escutas só podem ser públicas quando têm como função a persecução da justiça. E a justiça não se faz nos jornais ou no YouTube.
Mas sobre as escutas a Sócrates, acrescentou nessa altura Miguel Sousa Tavares: “ Uma vez que as conhecemos, não podemos fingir que não conhecemos.” Rui Moreira explicou este raciocínio, que subscrevo: “Ninguém se pode alhear do que é público e das consequências. Diferente é o ato de divulgar e promover escutas ou tentar reabrir, na praça pública, processos já julgados em tribunal.”
Mas isso deve aplicar-se aos dois casos. Devemos condenar a divulgação das escutas a Sócrates e a Pinto da Costa. Não podemos ignorar nenhuma delas. Só que quer Moreira quer Sousa Tavares condenam as duas mas decidem ignorar o conteúdo de apenas uma delas.
O que eu não posso ignorar, mesmo que quisesse, é que há um dirigente de futebol que não tem meias-medidas nas suas relações promíscuas com a arbitragem. Queria não saber. Mas sei. Ouvi. E imagino que Rui Moreira e Sousa Tavares ouviram. O problema do futebol é que, ao contrário do que acontece com a política, nunca mudamos de lado. E não mudando, ficamos sem palavras quando o nosso clube se porta mal.
O problema de Rui Moreira e Miguel Sousa Tavares é que não ficaram sem palavras. Prestam-se a defender o indefensável.
Daniel Oliveira, Record, 22 de Outubro de 2010
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